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Nas profundezas do rio Negro, no coração do Amazonas, entre igarapés calmos e florestas que sussurram com o vento, vivia uma jovem e espevitada ariranha chamada Maira. Seu pelo brilhava como cacau molhado ao sol, e seus olhos viviam em movimento, sempre buscando novidade, sempre alerta para tudo o que se movia.
Maira era a primeira a acordar e a última a dormir. Nadava de um lado a outro com pressa, sempre emitindo estalinhos, assobios e grunhidos. Onde havia silêncio, ela fazia som. E onde havia som, ela fazia mais ainda.
Todos os animais do rio a conheciam por seu jeito barulhento. A anta do igapó, o jacaré-açu, a onça-pintada nadadora, todos sabiam que, se Maira estivesse por perto, o silêncio era apenas uma lembrança distante.
Um dia, sua irmã mais velha, Anaiá, tentou alertá-la:
— Maira, você já escutou o som do fim da tarde?
— Escutar? Escutar o quê? Eu faço som, Anaiá. O som sou eu!
Anaiá riu com ternura.
— Justamente por isso você ainda não escutou. Quem só fala, não ouve. E quem não ouve, não entende a harmonia do rio.
Mas Maira não deu ouvidos. Mergulhou com um giro e espantou um cardume de acaris-bodós que descansava em paz.
Na manhã seguinte, a rotina do rio parecia alterada. Os sons estavam estranhos. Maira sentia um ruído diferente, mais áspero, metálico, como um zumbido que não pertencia à floresta.
Ela nadou até o recanto onde a arapaima-gigante, chamada Buriti, repousava em silêncio há anos.
— Buriti, você ouviu esse som novo?
— Ouvi. E tenho escutado muitos outros. Desde que os homens trouxeram motores, as margens se agitam. Mas isso não é o que me preocupa.
— Não? Então o que preocupa uma arapaima tão velha quanto o tempo?
— Que ninguém mais escute de verdade. Nem os sons certos, nem os errados.
Maira franziu o cenho. Pela primeira vez, não teve resposta.
Naquela tarde, decidiu fazer algo raro: ficou quieta. Escondeu-se entre galhos submersos e esperou o sol descer.
Foi então que escutou.
Primeiro, o som das gotas pesadas caindo das folhas altas. Depois, o arrastar de um filhote de quelônio sobre a areia. E mais tarde, o coaxar ritmado das rãs da margem, formando um coral tímido.
Mas, ao fundo, havia algo mais. Um som do fim da tarde. Um murmúrio ancestral, feito de brisas e sombras, de raízes e peixes, que envolvia tudo como um manto.
Maira se emocionou. Seu peito se encheu de algo novo: escuta.
No dia seguinte, decidiu não acordar fazendo barulho. Ao invés disso, ouviu. Ouvindo, percebeu coisas que nunca havia notado: os rituais da convivência entre os peixes, a sincronia das aves ao voar, o aviso sutil que a floresta dava antes de chover.
Foi procurar Anaiá.
— Eu ouvi.
— O quê?
— O som do fim da tarde. E ele estava me chamando, há muito tempo, mas eu gritava demais para perceber.
Anaiá sorriu.
— Escutar é um presente. Só escuta quem aprende a silenciar dentro de si.
A partir daquele dia, Maira começou a ensinar os filhotes da comunidade a arte de escutar. Contava estórias sobre animais que ouviram o mundo e se salvaram por isso. Como o tamanduá-bandeira do Mato Grosso, que escutou o estalo de uma árvore antes dela cair. Ou o curimatã, que soube fugir de uma rede humana por ter escutado o silêncio súbito dos companheiros.
Certa vez, reuniu todos em um círculo perto do igarapé e disse:
— O som é importante, mas o silêncio também. Há ruídos que desorganizam, e há silêncios que orientam. Se só falarmos, viveremos perdidos em nossos próprios ecos.
E para reforçar o que dizia, contou uma fábula que havia aprendido com a harpia do Acre:
— Um beija-flor voava todos os dias sem parar, tão rápido que nunca via o que estava à sua volta. Um dia, parou sobre uma flor, e pela primeira vez escutou o zumbido das abelhas, o som da água e a batida do próprio coração. E foi só ali que descobriu que havia estado sozinho por muito tempo — sozinho dentro de sua própria pressa.
Os filhotes ficaram quietos. Pela primeira vez, não perguntaram nada. Só escutaram.
E o rio também ficou em silêncio.
Maira, a ariranha que antes era só barulho, agora era ponte de harmonia entre os sons e o silêncio da floresta.
A lição de moral ecoou entre as copas das árvores e os buracos dos peixes:
"Escutar é um ato de sabedoria. Quem só fala não aprende. E quem aprende a ouvir, vive em paz com a natureza e com os outros."
E assim, na vastidão sonora do Amazonas, onde o rio canta histórias eternas, a estória da ariranha que aprendeu a escutar passou a ser sussurrada em cada fim de tarde, como parte do grande som do mundo.
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