O Veado-Catingueiro e a Linha que Não Voltava

O Veado-Catingueiro e a Linha que Não Voltava
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No coração quente e seco do sertão do Ceará, onde os mandacarus apontam para o céu como lanças verdes e o chão rachado guarda histórias antigas, vivia um jovem veado-catingueiro chamado Liri. Sua pelagem era da cor da terra seca, e seus olhos refletiam a coragem silenciosa de quem nasce entre espinhos.

Desde pequeno, Liri ouvia a mesma advertência de seu avô, um velho veado chamado Mançu:

— Um dia, meu neto, você verá diante de si uma linha no chão. Quando ela surgir, precisará fazer uma escolha. E lembre-se: algumas linhas, depois de cruzadas, não voltam atrás.

Liri ouvia com atenção, mas não entendia. Que linha seria essa? Um traço feito por algum animal? Um galho caído? Um risco na areia?

A vida seguia no sertão cearense, onde os dias eram longos e a chuva, rara. Liri cresceu curioso, sempre se perguntando que tipo de escolha poderia mudar tanto o curso de sua vida.

Certo dia, após uma manhã de caminhada, Liri chegou a uma bifurcação entre dois caminhos. No chão, um longo e fino sulco dividia a terra. Era como se alguém tivesse arrastado algo pesado ou arriscado com firmeza uma linha reta com o próprio casco.

Ali estava ela. A linha que não voltava.

— É agora — murmurou Liri, o coração acelerado. — A decisão de que vovô falava.

De um lado, o caminho levava a uma mata densa, cheia de sombras e promessas. Do outro, um campo aberto e ensolarado, com poucos arbustos e muito calor.

Nesse momento, uma juriti do sertão, chamada Zema, pousou próxima.

— Vai escolher qual trilha, veado-catingueiro? — perguntou ela, com seu canto suave.

— Eu não sei. Parece que, seja qual for o caminho, não poderei voltar.

— Assim é a vida, Liri. Cada escolha é uma responsabilidade, uma direção que muda o que vem depois.

Liri fechou os olhos e lembrou do avô. Mançu dizia que a melhor decisão é aquela tomada com calma, pensando nas consequências, e não apenas nos desejos.

Enquanto refletia, chegou um tatu-peba do Ceará, de nome Gonzo, cavando como sempre.

— Eu fui por aquele caminho aí — disse ele apontando para a mata. — Parecia bom no começo, mas escurece demais, e há muito barulho.

— E o outro? — perguntou Liri.

— Nunca tentei. Dizem que é sol demais, mas você enxerga longe.

Liri escutava. Escutar era uma sabedoria que poucos tinham, mas ele vinha aprendendo a praticar.

— E se eu errar, Gonzo?

— Então, você aprende. Mas tem que seguir. A linha que não volta ensina justamente isso: responsabilidade.

Liri olhou os dois caminhos e fez sua escolha. Seguiu pelo campo aberto.

O sol queimava, mas ele podia ver o horizonte. Caminhou por horas, encontrou um grupo de araras-azuis-de-lear, vindas da Bahia, que migravam pelos céus, e ouviu delas novas histórias e avisos sobre a terra adiante.

Num ponto mais à frente, encontrou um pequeno poço natural. Lá, encontrou uma jaguatirica chamada Raia, que bebia em silêncio.

— Escolheu o campo? — perguntou Raia sem olhar.

— Sim. Queria ver longe, mesmo que com calor.

— Ver longe não é só com os olhos. Às vezes, é com o coração — disse ela, e sumiu entre os arbustos.

Liri acampou naquela noite com a certeza de que seu caminho, mesmo duro, o fazia crescer. Soube, por fim, o valor da escolha: não há decisão perfeita, mas há decisões conscientes.

Alguns dias depois, reencontrou Zema a juriti, que o esperava no alto de uma pedra.

— O que aprendeu, Liri?

— Que a linha que não volta é feita daquilo que deixamos para trás. Mas o que construímos adiante é o que nos define.

— Então você entendeu — respondeu ela, voando.

A lição de moral desta fábula ecoa pelo sertão como o som do vento entre os galhos:

“Toda escolha carrega uma responsabilidade. E mesmo quando não se pode voltar atrás, sempre se pode seguir com sabedoria, fazendo do novo caminho uma estrada digna de ser trilhada.”

E assim, o veado-catingueiro do Ceará, que um dia hesitou diante da linha que não voltava, tornou-se símbolo de coragem e maturidade. Pois aprender a decidir é, acima de tudo, um gesto de crescer por dentro — mesmo no silêncio do sertão.


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