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No vasto sertão da Bahia, onde o sol se deita preguiçoso nas dobras do chão rachado, vivia uma ema jovem chamada Celina. Suas penas cinzentas se confundiam com a terra seca, e seus olhos redondos sempre pareciam distantes, como se procurassem algo que ela mesma não sabia o que era.
Celina era diferente das outras emas da região. Enquanto todas corriam como flechas entre os arbustos e espinhentas veredas do semiárido, ela mancava, hesitava, tropeçava nas pedras e nos próprios passos.
— Celina, uma ema que não corre? Como assim? — zombava o periquito-de-papo-roxo, que vinha do sul da Bahia só para rir das dificuldades alheias.
— Não ligo para isso — murmurava Celina, baixando os olhos.
Mas, no fundo, doía. Mais do que os tombos, doía a vergonha de não ser como as outras.
Um dia, o ancião da savana, o tamanduá-bandeira baiano chamado Ziraldo, convocou todos os animais para anunciar o grande evento da estação:
— Em breve teremos a Corrida do Sertão. É tempo de medir não só a força das pernas, mas a força do coração!
Todas as emas vibraram, sacudindo suas asas curtas com entusiasmo. Todos... menos Celina.
— Você vai participar? — perguntou Dora, uma jacucaca, sua única amiga.
— Eu? Claro que não. Você já viu como eu corro?
— Já vi como você não desiste, Celina. E isso é raro.
Naquela noite, sentada sob um mandacaru, Celina lembrou de uma estória que ouvira de sua avó, quando ainda era um filhote trêmulo:
— Havia um guará-do-litoral de Sergipe que tinha medo da água. Todos riam. Um dia, a maré subiu tanto que ele teve que atravessar um mangue. Foi devagar, pé ante pé, e descobriu que podia nadar. Não era rápido, mas era bravo. E isso ninguém podia negar.
Essas palavras bateram em seu peito como tambores.
Na manhã seguinte, sem contar a ninguém, Celina começou a treinar.
Ela não corria como as outras. Seu passo era curto, seu ritmo, irregular. Mas ela continuava. Cada dia um pouco mais. Corria ao nascer do sol, quando ninguém via. Corria à noite, sob o luar tímido. Corria mesmo quando o chão queimava.
Seu corpo doía, mas sua alma começava a se iluminar com algo novo: persistência.
— O que está fazendo, Celina? — perguntou o cágado-do-brejo, surpreso ao vê-la sozinha.
— Estou aprendendo a respeitar meus limites... e a empurrá-los com carinho.
No dia da grande corrida, todos estavam prontos. As emas alinhadas, altivas e velozes. Quando viram Celina chegar, ouviram risos abafados.
— A Ema que não sabia correr? Isso vai ser engraçado.
Ziraldo ergueu o rabo longo e anunciou:
— Que comece a Corrida do Sertão!
O chão tremeu. As mais rápidas dispararam como raios. Celina ficou para trás logo nos primeiros metros. Mas não parou.
O sol subia. O calor apertava. As mais velozes começaram a cansar, tropeçar, desviar.
Celina mantinha seu ritmo. Firme. Suado. Determinado.
Lembrou da maré do guará. Da voz da avó. Do olhar de Dora. Lembrou que, ali, não era sobre vencer os outros, era sobre vencer a si mesma.
Quando cruzou a linha final, não havia medalhas. Mas havia olhos marejados, silêncios respeitosos.
Ziraldo se aproximou:
— Você chegou por último. Mas chegou com algo que os primeiros não trouxeram: inspiração.
O periquito, calado pela primeira vez, olhou para o chão. Dora voou até Celina e a abraçou com as asas:
— Você não corre como as outras, Celina. Você corre como você mesma. E isso é mais bonito do que qualquer troféu.
Naquela tarde, o sertão soube de uma nova verdade: não é a velocidade que mede uma ema, mas a força do seu esforço. Celina passou a ajudar outras aves que tinham medo de correr, medo de tentar. Ensinava que o primeiro passo era mais importante que a chegada.
A lição de moral da fábula ecoou pelas veredas quentes:
“Não é o passo mais rápido que vence o caminho, mas o passo que não para. A verdadeira corrida é contra o medo de tentar.”
E assim, entre mandacarus e céus sem nuvens, a estória da Ema que Não Sabia Correr tornou-se símbolo de superação, autoestima e coragem silenciosa, nas trilhas secas e vibrantes da Bahia.
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