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O Papagaio-Charão e o Segredo do Galho Partido - Erdna Ziul Sedranreb

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DOE UM CAFÉ


No coração seco do sertão do Ceará, onde o vento canta nas ramas retorcidas da caatinga e o sol desenha silhuetas no chão rachado, vivia um jovem e ágil veado-catingueiro chamado Tamiro. Ele era conhecido entre os animais da região por sua velocidade e por nunca tomar o mesmo caminho duas vezes.

Tamiro era curioso, leve e inquieto. Todos os dias, ao acordar sob a sombra de um juazeiro, ele dizia a si mesmo:


— O sertão é vasto, e o mundo também deve ser. Hoje, vou por um caminho novo!


Ele deixava rastros suaves na terra e marcas leves nas folhas, mas nunca olhava para trás. Seu lema era simples: “Toda linha que sigo deve me levar adiante.”

Certo dia, Tamiro encontrou-se diante de uma bifurcação. Um dos caminhos seguia para o norte, na direção de uma planície onde os tamanduás-bandeira do Piauí diziam haver um oásis escondido. O outro descia para uma trilha apertada entre pedras secas, em direção ao interior do sertão.

Na encruzilhada, encontrou um velho jacaré-do-papo-amarelo, de nome Suvera, que havia se perdido das lagoas do Maranhão durante uma cheia.


— Tamiro, para onde você vai com tanta pressa?

— Ainda não sei, Suvera. Só sei que vou. Preciso seguir meu rumo.

— Já pensou que alguns caminhos não têm volta?

— Voltar nunca foi meu plano — respondeu Tamiro com um sorriso.

— Então pense bem. Há linhas que, uma vez traçadas, não podem ser desfeitas. E há decisões que não são só tuas.


Tamiro se despediu com um aceno de cabeça e seguiu o caminho do sertão profundo. A trilha era difícil, o calor mais forte e o chão coberto de espinhos. No meio do percurso, encontrou uma jovem araponga-do-nordeste, chamada Rosira, que cantava sozinha em um galho seco.


— Você também vem do norte? — perguntou Tamiro, ofegante.

— Vim visitar a árvore dos ecos, que dizem guardar a voz de todos que já passaram por aqui.

— Eu só quero passar. Estou buscando algo novo.

Rosira o olhou de lado.

— Tamiro, você sempre passa? Nunca permanece?

— Permanecer não é pra mim. Caminhar é meu destino.




Rosira, então, contou-lhe a estória do lagarto-tijolo, que vivia em Goiás e passava a vida mudando de toca. Um dia, ao procurar abrigo durante uma seca, não encontrou lugar algum, pois todos os buracos estavam ocupados por outros que haviam escolhido ficar.


— Ele percebeu, tarde demais, que quem nunca finca os pés, um dia não encontra chão. — concluiu Rosira, com tristeza.


Tamiro agradeceu pela estória e seguiu. Dias depois, encontrou uma clareira onde não crescia mais nada. No centro, havia apenas uma linha desenhada na terra, feita por pegadas semelhantes às suas.

Ali, sentado, estava Antônio, um velho veado-catingueiro de olhos turvos, que o olhou como quem vê o passado.


— Tamiro, você veio até a Linha que Não Voltava.

— Como sabe meu nome?

— Porque já fui você.

Tamiro estremeceu.

— O que quer dizer com isso?

— Significa que também corri demais. Fugi de tudo: das dúvidas, da dor, dos compromissos. Só percebi tarde que cada escolha deixa marcas nos outros, não só na terra.

— Mas o que é essa linha?

— É o ponto onde você precisa decidir se corre por correr ou se caminha com propósito.



Tamiro ficou em silêncio. Nunca pensara nisso. Todas as suas passadas, por mais livres, deixavam trilhas. Trilhas que afetavam ninhos, tocas, e até vidas.

Sentou-se ao lado de Antônio. Pela primeira vez, olhou para trás.

Viu os rastros deixados. Pegadas confusas, interrupções em formigueiros, poças pisadas, plantas quebradas. Pequenos impactos em grandes vidas.


— Eu... não sabia.

— Ninguém sabe no começo. Mas depois que se vê, não dá mais pra fingir.


Ao anoitecer, Tamiro decidiu refazer seu caminho. Não correria mais por correr. Agora, cada passo teria responsabilidade. Reencontrou Suvera, que sorriu sem dizer nada. Visitou Rosira, que o presenteou com uma pena azul. E então, retornou à encruzilhada.

Não porque queria voltar. Mas porque sabia que voltar também pode ser um ato de coragem.

Com o tempo, Tamiro passou a guiar filhotes de siriema, teju e mocó pelo sertão, ensinando a diferença entre escolher por impulso e escolher com consciência.





A Linha que Não Voltava não desapareceu. Ela passou a viver em sua memória, como um marco de transformação.

E a estória do veado-catingueiro que um dia correu demais, e então aprendeu a caminhar com sentido, passou a ser contada por toda a fauna do Ceará e além.

A lição de moral tornou-se conhecida:

"Toda escolha é uma linha no chão. Algumas podem ser apagadas. Outras, não. Saber isso é o primeiro passo para se tornar parte do mundo, e não apenas um rastro que passa por ele."

E assim, o sertão não era mais só um lugar de passagens. Tornou-se o cenário de decisões verdadeiras.


O Tucano-de-Bico-Preto e a Promessa no Alto da Árvore - Erdna Ziul Sedranreb

O Tucano-de-Bico-Preto e a Promessa no Alto da Árvore
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DOE UM CAFÉ


No coração da Amazônia, entre as árvores centenárias do Parque Nacional do Jaú, morava um jovem tucano-de-bico-preto chamado Tarek. Seu bico reluzente, escuro como a noite nova, cortava o vento com graça, e suas penas pareciam ter sido tingidas com o sol do meio-dia. Tarek era admirado por sua beleza e sua palavra firme — pelo menos era o que todos acreditavam.

Desde cedo, Tarek ouvira dos mais velhos que um compromisso era como uma semente lançada no alto de uma árvore: podia parecer leve, mas com o tempo criava raízes invisíveis no coração de quem a fez. E por isso, devia ser plantado com cuidado. Mas Tarek, jovem e cheio de si, não levava a sério essas palavras antigas.

Certa manhã, em meio ao aroma fresco das flores do guaraná silvestre, Tarek foi chamado por um velho urutau, ave mística e solitária do Acre. O urutau, de olhos profundos e fala pausada, pediu ajuda. Havia um antigo ninho de corujinhas ameaçado por um galho seco, prestes a cair. “Preciso que alguém vá lá no entardecer e empurre o galho de volta ao tronco com o bico. Só confio em você para isso, Tarek. Promete que irá?”

Tarek respondeu com um bater de asas: “Eu prometo.” E com isso, o urutau fechou os olhos em paz.




Mas quando o entardecer chegou, Tarek se distraiu. Havia uma reunião de aves canoras na copa das sumaumeiras e, vaidoso, quis exibir seu canto. Enquanto ele rodopiava no céu, o galho cedeu, e o ninho caiu. As corujinhas escaparam por pouco, mas o susto foi grande. O urutau, ao saber, calou-se por dias inteiros. E Tarek, sem coragem de enfrentar os olhos dos outros, voou para longe.

Durante semanas, refugiou-se nos buritizais do Tocantins, onde conheceu um jaburu, ave altiva e serena. O jaburu ouviu sua história com paciência e, ao fim, disse: “Uma promessa quebrada é como o som que não ecoa — pode parecer que não feriu ninguém, mas é sentida onde a confiança foi depositada.” E contou-lhe uma história antiga.

A história era sobre o macaco-aranha-do-Pará, que prometeu guardar os frutos da castanheira enquanto seus irmãos iam buscar ajuda. Não resistiu à fome e comeu os frutos. Quando os irmãos voltaram, ele disse que os frutos haviam sido levados pelo vento. Mas o vento não mente, e dias depois, sementes não digeridas brotaram sob sua árvore. A verdade, que ele tentou enterrar, nasceu diante de todos.

Tarek voltou para a floresta com essa imagem na mente: verdades nascendo onde ele pensou que a culpa morreria. Procurou o urutau. Sentou-se em silêncio por três dias diante dele. No quarto dia, disse apenas: “Falhei.”

O urutau, com olhos ainda tristes, respondeu: “Uma palavra dita no alto de uma árvore tem que ser mais forte que o vento. Não porque ela será ouvida por muitos, mas porque será sustentada por você.”


Tarek não respondeu. Em vez disso, começou a reparar os ninhos caídos da floresta. Ajudou o gavião-real do Amazonas a reconstruir sua plataforma. Levou fibras secas para o ninho das maracanãs-do-Maranhão. Trabalhou em silêncio, sem esperar perdão — mas buscando sentido.

Meses depois, uma nova árvore foi plantada no centro da clareira. Em seu topo, o urutau deixou um ramo seco, como lembrança do erro. Tarek, com o bico firme, empurrou o galho de volta ao tronco — não para apagar o passado, mas para honrar o que prometeu um dia.





Desde então, diz-se que o tucano-de-bico-preto, quando canta alto no fim da tarde, não está se exibindo. Está lembrando aos outros que promessas são vozes que precisam chegar mais longe do que as copas.


Moral da fábula
Prometer é fácil como bater as asas. Cumprir exige sustentação como as raízes das árvores. Quando quebramos uma promessa, não é apenas a confiança do outro que se parte — é a nossa própria palavra que perde peso no ar.


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A Ariranha e o Som do Fim da Tarde