O Macaco-Prego e a Fruta que Não Era Sua - Erdna Ziul Sedranreb

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Na copa das árvores da Mata Atlântica da Bahia, onde a luz do sol brinca entre as folhas e o som do vento carrega os segredos dos antigos, vivia um jovem macaco-prego chamado Muri.

Muri era esperto, ágil e curioso. Nenhum galho lhe escapava, nenhum som passava despercebido, e nenhum fruto amadurecia sem que ele percebesse. Ele conhecia o valor do tempo, mas ainda não compreendia o valor do que era dos outros.

Num final de manhã abafada, enquanto saltava entre as árvores, Muri sentiu um aroma doce, quase mágico. Seguiu o cheiro até encontrar uma fruta de aparência rara, com casca dourada e polpa alaranjada. Ela estava num galho baixo, reluzente sob o sol.

“Que delícia me espera!” disse Muri, esfregando as mãos.

No entanto, assim que estendeu os dedos, uma voz surgiu de trás do tronco:
“Essa fruta não é sua, Muri.”



Era uma jacutinga, ave ameaçada e vigilante, que havia migrado do Espírito Santo. Ela observava a fruta com olhos tranquilos, mas firmes.

“Não está com seu nome,” respondeu Muri, tentando rir da situação. “Estava aqui, madura, ao alcance da minha pata. É da floresta, e a floresta é de todos, não é?”



A jacutinga, pacientemente, explicou:

“Essa árvore é o pomar da cotia Velina. Ela a cultiva. Enterra sementes, limpa o solo ao redor e espera o ciclo da lua para colher. Você chegou só para pegar.”

Muri bufou, envergonhado, mas não convencido.

“Desde quando bicho tem dono de fruta?”

Foi então que a anta Bemo, vinda do sul da Bahia, se aproximou.

“Desde que aprendemos a respeitar o que não é nosso. E isso não tem a ver com cercas, Muri, mas com ética.”


Curioso, Muri pediu explicações. Bemo então contou uma história antiga, passada por seus ancestrais nas noites sob o luar:

“Houve um tempo em que todos comiam tudo o que viam. Mas veio uma seca. Só o veado-mateiro guardava raízes e folhas em buracos no chão. Quando a seca apertou, os outros quiseram pegar seus alimentos. Ele disse: ‘Não me negarei a compartilhar, mas se nada for de ninguém, ninguém cuidará de nada. E todos perderemos.’”

Muri coçou a cabeça. “Mas se eu tivesse com muita fome?”

“Você poderia pedir,” disse a jacutinga.

“E se ela dissesse não?”

“Você aprenderia a esperar. Porque o respeito não é só o que damos — é o que nos ensina a viver juntos.”

Naquela tarde, Muri foi até Velina, a cotia cuidadosa. A encontrou em sua toca, limpando sementes de jatobá.

“Velina… sobre aquela fruta... Eu quase a peguei.”

Ela o encarou sem surpresa. “Você não é o primeiro. Muitos acham que fruta madura é de ninguém. Mas plantei aquela há três estações.”

“Por que faz isso?” perguntou Muri.

“Porque a floresta me deu sombra. Eu retribuo com sementes. Se eu não cuidar da terra, quem cuidará por mim?”

Muri ficou em silêncio.





Nos dias que seguiram, ele começou a observar. Percebeu quantos animais cultivavam, não apenas para si, mas para os outros: os tamanduás que desciam com cuidado para não esmagar formigueiros úteis, os tatus que cavavam canais que drenavam água para o ninho das jararacas, e até o urubu-rei que limpava carcaças para evitar doenças.

Foi quando uma coisa estranha aconteceu: Muri passou a plantar.

Com ajuda de Velina, começou a enterrar sementes de frutas que não comia. Deixava algumas em galhos mais baixos, para os filhotes. Quando outros macacos lhe perguntavam o motivo, ele dizia:

“Plantar me ensinou o que pegar não me ensinava.”

Certo dia, uma onça-parda observou os pés de fruta plantados por Muri.
“Você não come tudo o que planta?”

“Não,” disse Muri. “Aprendi que a propriedade que nasce do cuidado gera respeito. E onde há respeito, há espaço para todos.”

A onça refletiu em silêncio. No alto da árvore, a jacutinga sorriu com os olhos.

E quando a nova estação chegou, os filhotes de bicho-preguiça comeram das frutas de Muri. E ao invés de guardar rancor do passado, ele lhes contou a história da fruta que quase foi dele — mas que lhe ensinou a ser melhor.

Na floresta da Bahia, o rumor se espalhou: o macaco-prego que aprendia a plantar agora ensinava a colher com ética. E sob cada árvore que ele ajudava a crescer, havia uma placa de folhas amarradas com cipó:

“Esta fruta não é sua. Mas talvez um dia seja — se você cuidar da árvore.”


Moral da fábula
Respeitar o que não é nosso é o primeiro passo para aprender a viver com os outros. A floresta ensina que a ética nasce não da lei, mas do cuidado, do tempo e da convivência entre todos os que compartilham a mesma sombra.


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