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Às margens lentas do Rio Mearim, no Maranhão, vivia um velho cágado chamado Akai. Seu casco tinha manchas do tempo e os olhos refletiam a serenidade de quem caminhava devagar, mas carregava o mundo sobre as costas. O que poucos sabiam é que aquele mundo era feito de lembranças pesadas — e de uma culpa antiga que nunca se lavou nas águas do rio.
Akai não falava muito. Preferia o silêncio das tardes longas, observando as nuvens, como se esperasse que elas trouxessem de volta uma parte de si que se perdeu muitos anos antes. Quando era jovem, Akai era impaciente, orgulhoso de sua concha e de sua esperteza. Ele acreditava que seus passos sabiam mais que o rio.
Certa vez, durante uma cheia forte, o curso do rio ameaçava invadir as tocas dos animais. Uma assembleia foi convocada na clareira da palmeira-babaçu. Os bichos precisavam escolher o melhor caminho para abrir um desvio e salvar o abrigo de todos. Akai, ignorando os conselhos da coruja-preta do Piauí e do caxinguelê do Tocantins, impôs seu plano: cavar uma vala que redirecionaria a água para o ninho das iraras-do-Maranhão.
“Não há tempo para hesitação. Façam como digo”, ordenou Akai, com a voz que soava mais como cascata do que como rio.
E assim foi feito. No dia seguinte, a água desceu com força pelo novo caminho. As tocas dos bichos foram salvas… mas o ninho das iraras foi arrastado pela correnteza. Três filhotes sumiram, e a mãe, em desespero, partiu floresta adentro sem deixar rastros.
1. O Papagaio-Charão e o Segredo do Galho Partido
2. A Tartaruga-de-Couro e a Areia que Sumia
3. O Macaco-Prego e a Fruta que Não Era Sua
4. A Anta e os Trilhos do Chão Cortado
5. A Onça-Pintada e os Três Ecos
6. O Tucano-de-Bico-Preto e a Promessa no Alto da Árvore
7. A Lontra e os Rastros na Lama
8. O Cágado e o Peso da Culpa
9. O Tamanduá-Bandeira e a Travessia do Asfalto
10. A Maritaca e o Silêncio do Fim de Tarde
Desde então, Akai nunca mais foi o mesmo. Deixou a clareira, abandonou as assembleias, e refugiou-se num canto isolado do rio, onde o silêncio o julgava todos os dias. Os animais mais jovens não entendiam sua tristeza. “Por que vive sozinho?”, perguntava o mutum-de-penacho da Bahia, mas o cágado apenas fechava os olhos e não respondia.
Foi só muito tempo depois, durante uma seca rigorosa, que Akai voltou a falar. Um filhote de tamanduá-mirim do Pará, chamado Rami, havia se perdido da mãe e chorava às margens do rio seco. Akai, sem dizer palavra, carregou Rami em seu casco por três dias, até encontrar a mãe em meio às raízes do buriti.
Antes de partir, Rami perguntou: “Por que o senhor me ajudou, se diz que não merece estar entre os outros?” Akai pensou por um longo tempo, depois respondeu: “Porque talvez o perdão comece quando a gente aprende a fazer o contrário do que fez um dia.”
Naquela noite, Akai olhou para o céu e se lembrou de uma história antiga que a coruja-preta lhe contara quando ele ainda era jovem. Uma lenda do sertão dizia que, quando um animal errava profundamente, a culpa virava pedra dentro do coração. Mas, se ele se mantivesse em silêncio e agisse com bondade por mil noites, a pedra se transformaria em água e escorreria, voltando ao rio.
Na milésima noite de silêncio, Akai percebeu: sua pedra havia começado a derreter.
Ele então partiu. Foi visitar cada bicho que restava da antiga assembleia. Pediu perdão. Alguns o ouviram, outros o ignoraram, mas todos viram em seus olhos uma verdade que nem o tempo podia esconder: ele havia mudado. Ele havia compreendido.
Um dia, às margens do Rio das Almas, no Tocantins, encontrou uma irara adulta com três filhotes brincando na lama. Ela olhou para Akai e, por um instante, os dois se reconheceram. Não trocaram palavras. Só um gesto: ela empurrou um cacho de frutas para perto dele. E seguiu em frente.
Akai chorou pela primeira vez.
Desde então, o velho cágado passou a contar histórias em escolas de animais do Cerrado. Falava sobre o rio, sobre o erro, sobre a culpa — e sobre a reconciliação possível. Dizia: “Errar é como desviar o curso do rio. Você pode tentar trazê-lo de volta, mas as margens nunca mais serão iguais. E mesmo assim, é possível plantar flores onde antes só havia pedra.”
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