Mostrando postagens com marcador caminho. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador caminho. Mostrar todas as postagens

O Veado-Catingueiro e a Linha que Não Voltava

O Veado-Catingueiro e a Linha que Não Voltava
#FábulasInfantis #FábulaInfantil #Fábulas #Fábula #ErdnaZiulSedranreb #HistóriaParaCrianças #preguiça #floresta #sabedoria #faunabrasileira #Pará #liçãodemoral #infantil #veadocatingueiro #escolhas #Ceará #faunabrasileira #contomoral #fábulaeducativa


DOE UM CAFÉ

No coração quente e seco do sertão do Ceará, onde os mandacarus apontam para o céu como lanças verdes e o chão rachado guarda histórias antigas, vivia um jovem veado-catingueiro chamado Liri. Sua pelagem era da cor da terra seca, e seus olhos refletiam a coragem silenciosa de quem nasce entre espinhos.

Desde pequeno, Liri ouvia a mesma advertência de seu avô, um velho veado chamado Mançu:

— Um dia, meu neto, você verá diante de si uma linha no chão. Quando ela surgir, precisará fazer uma escolha. E lembre-se: algumas linhas, depois de cruzadas, não voltam atrás.

Liri ouvia com atenção, mas não entendia. Que linha seria essa? Um traço feito por algum animal? Um galho caído? Um risco na areia?

A vida seguia no sertão cearense, onde os dias eram longos e a chuva, rara. Liri cresceu curioso, sempre se perguntando que tipo de escolha poderia mudar tanto o curso de sua vida.

Certo dia, após uma manhã de caminhada, Liri chegou a uma bifurcação entre dois caminhos. No chão, um longo e fino sulco dividia a terra. Era como se alguém tivesse arrastado algo pesado ou arriscado com firmeza uma linha reta com o próprio casco.

Ali estava ela. A linha que não voltava.

— É agora — murmurou Liri, o coração acelerado. — A decisão de que vovô falava.

De um lado, o caminho levava a uma mata densa, cheia de sombras e promessas. Do outro, um campo aberto e ensolarado, com poucos arbustos e muito calor.

Nesse momento, uma juriti do sertão, chamada Zema, pousou próxima.

— Vai escolher qual trilha, veado-catingueiro? — perguntou ela, com seu canto suave.

— Eu não sei. Parece que, seja qual for o caminho, não poderei voltar.

— Assim é a vida, Liri. Cada escolha é uma responsabilidade, uma direção que muda o que vem depois.

Liri fechou os olhos e lembrou do avô. Mançu dizia que a melhor decisão é aquela tomada com calma, pensando nas consequências, e não apenas nos desejos.

Enquanto refletia, chegou um tatu-peba do Ceará, de nome Gonzo, cavando como sempre.

— Eu fui por aquele caminho aí — disse ele apontando para a mata. — Parecia bom no começo, mas escurece demais, e há muito barulho.

— E o outro? — perguntou Liri.

— Nunca tentei. Dizem que é sol demais, mas você enxerga longe.

Liri escutava. Escutar era uma sabedoria que poucos tinham, mas ele vinha aprendendo a praticar.

— E se eu errar, Gonzo?

— Então, você aprende. Mas tem que seguir. A linha que não volta ensina justamente isso: responsabilidade.

Liri olhou os dois caminhos e fez sua escolha. Seguiu pelo campo aberto.

O sol queimava, mas ele podia ver o horizonte. Caminhou por horas, encontrou um grupo de araras-azuis-de-lear, vindas da Bahia, que migravam pelos céus, e ouviu delas novas histórias e avisos sobre a terra adiante.

Num ponto mais à frente, encontrou um pequeno poço natural. Lá, encontrou uma jaguatirica chamada Raia, que bebia em silêncio.

— Escolheu o campo? — perguntou Raia sem olhar.

— Sim. Queria ver longe, mesmo que com calor.

— Ver longe não é só com os olhos. Às vezes, é com o coração — disse ela, e sumiu entre os arbustos.

Liri acampou naquela noite com a certeza de que seu caminho, mesmo duro, o fazia crescer. Soube, por fim, o valor da escolha: não há decisão perfeita, mas há decisões conscientes.

Alguns dias depois, reencontrou Zema a juriti, que o esperava no alto de uma pedra.

— O que aprendeu, Liri?

— Que a linha que não volta é feita daquilo que deixamos para trás. Mas o que construímos adiante é o que nos define.

— Então você entendeu — respondeu ela, voando.

A lição de moral desta fábula ecoa pelo sertão como o som do vento entre os galhos:

“Toda escolha carrega uma responsabilidade. E mesmo quando não se pode voltar atrás, sempre se pode seguir com sabedoria, fazendo do novo caminho uma estrada digna de ser trilhada.”

E assim, o veado-catingueiro do Ceará, que um dia hesitou diante da linha que não voltava, tornou-se símbolo de coragem e maturidade. Pois aprender a decidir é, acima de tudo, um gesto de crescer por dentro — mesmo no silêncio do sertão.


A Anta e os Trilhos do Chão Cortado - Erdna Ziul Sedranreb

A Anta e os Trilhos do Chão Cortado
#FábulasInfantis #FábulaInfantil #Fábulas #Fábula #ErdnaZiulSedranreb #HistóriaParaCrianças #preguiça #floresta #sabedoria #faunabrasileira #Pará #liçãodemoral #infantil #anta #ferrovias #impactoambiental #MatoGrossodoSul #faunabrasileira #sustentabilidade


DOE UM CAFÉ


No coração do Mato Grosso do Sul, onde o cerrado abraça os campos e o som do vento dança entre ipês e carandás, vivia uma anta chamada Amana. De andar firme e olhar sereno, Amana era conhecida por percorrer os mesmos caminhos desde filhote.

Ela conhecia cada curva do rio Miranda, cada sombra das figueiras, cada cheiro que subia da terra molhada após a chuva. Aqueles caminhos não estavam em nenhum mapa — mas estavam gravados na memória do seu coração.

Certo dia, enquanto caminhava pela trilha do lobo-guará, Amana sentiu um cheiro estranho no ar. Era o cheiro do metal quente, misturado ao som distante de martelos e vozes humanas. Aquilo era novo, e Amana, inquieta, seguiu o som.



Ao alcançar a clareira, viu o que nunca imaginara: a floresta havia sido cortada em linha reta. Árvores derrubadas, buracos no chão e um trilho de ferro que brilhava sob o sol. Um homem de capacete acenou para ela, mas Amana se escondeu atrás das palmeiras.

À noite, sob o luar, ela desabafou com o corujão-do-campo:

Cortaram o chão como se ele fosse papel. Meu caminho… desapareceu.”

 

O corujão, com olhos que pareciam ver mais do que a floresta, respondeu:

“Quando o chão é cortado, não é só a terra que sangra. Mas também a memória de quem a pisa.”

 

Nos dias seguintes, a construção avançou. Os trilhos da nova ferrovia cortavam rotas antigas, atravessavam córregos, e afastavam os sons dos bichos. A anta se viu diante de um dilema: insistir no caminho antigo ou encontrar um novo.

Amana tentou seguir como sempre. Mas quase foi atropelada por uma máquina que rugia como onça de aço. Voltou para trás, assustada. “Esse chão não me reconhece mais,” murmurou.

Buscando orientação, foi até o tatu-canastra, que vivia numa clareira próxima. Ele a recebeu com olhos tristes.

“Amana, o ambiente mudou. Mas ainda somos parte dele. Precisamos nos adaptar, ou seremos apenas lendas nas histórias dos mais jovens.”

Amana refletiu. “Adaptar não é esquecer, Tatu?”

“Não, minha amiga. Adaptar é lembrar com sabedoria.”

Naquela noite, ela sonhou com sua avó — uma anta enorme, de pelagem mais clara, que lhe dissera um dia:

“O caminho é o que seus passos criam. Mas se o mundo muda, seus passos também devem aprender a ouvir.”

Ao acordar, decidiu buscar novos caminhos. Acompanhada por um tamanduá-bandeira do Mato Grosso, chamado Naru, ela começou a mapear passagens seguras, onde a ferrovia não cruzava.

“Vamos ensinar os filhotes a atravessar longe dos trilhos”, disse Naru.

“E criar clareiras onde possam descansar sem medo,” completou Amana.

A cada dia, encontravam novos desafios: córregos canalizados, barulho constante, árvores que não voltariam. Mas também encontravam resistência viva — como as capivaras que se abrigavam nas beiras do rio Paraguai e as emas que aprendiam a cruzar as clareiras ao amanhecer.

Em uma reunião sob o ipê-amarelo, Amana falou para os jovens:

“O impacto dos trilhos é real. Eles cortam mais do que o chão — cortam hábitos, cortam o som da floresta. Mas também nos chamam à responsabilidade.”

 

Um sabiá-laranjeira, curioso, perguntou:

“Responsabilidade de quem, Anta?”

 

“De todos. Dos humanos que constroem e de nós, que resistimos. Cada um tem seu papel neste novo ambiente.”

A anta propôs então uma ideia: marcar trilhas alternativas com cheiros e sinais — como folhas amassadas, pedras viradas, troncos riscados com o casco. Uma linguagem viva, que não dependia da fala, mas da escuta do mundo.

As cutias do Paraná aprenderam rapidamente. Os veados-catingueiros da Bahia começaram a seguir os sinais. Até o jacaré-do-papo-amarelo do Pantanal passou a respeitar as trilhas sinalizadas.

Um dia, um grupo de humanos observou a trilha marcada. Viram que os animais estavam evitando os trilhos. Em silêncio, instalaram placas com desenhos simples. E construíram passagens elevadas com vegetação.

Era pouco, mas era um começo. Os humanos estavam ouvindo.

Amana ficou em silêncio por dias. Depois chamou os bichos e contou uma antiga história.

“Minha avó dizia que a floresta era um tecido. Quando alguém puxava um fio, o tecido inteiro tremia. Mas se muitos fios se entrelaçassem de novo, mesmo remendado, o tecido voltava a ser inteiro.”
Todos ouviram. Todos entenderam.

Um dia, um filhote de tamanduá perguntou:

“Amana, ainda dói ver o chão cortado?”
Ela olhou para os trilhos ao longe, depois para as trilhas novas que haviam criado.

“Sim. Ainda dói. Mas agora, há também um novo caminho. E ele nasce de cada passo que escolhemos com consciência.”

O sol se punha devagar. A sombra dos ipês se alongava. Os trilhos brilhavam ao longe, mas ao redor deles, o verde voltava a crescer.

A floresta nunca seria a mesma — mas também não estava perdida.

Amana andava devagar. Mas agora, seus passos não eram apenas de anta: eram de todos os que aprenderam a resistir sem se destruir.

Ao longe, um grupo de humanos desenhava uma placa: “Passagem da Anta Amana — Aqui, a natureza traçou seu caminho.”

E os trilhos, que um dia cortaram, agora também conectavam — não só lugares, mas lições.


Moral da fábula
Quando o ambiente muda, não basta resistir com raiva nem ceder em silêncio. Adaptar-se é a arte de desenhar novos caminhos onde antes havia corte — e de lembrar que o verdadeiro trilho é o que nos liga à vida com respeito.


Posts

A Ariranha e o Som do Fim da Tarde