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Na sombra viva da Floresta Atlântica, entre bromélias úmidas e cipós pendurados como fitas no ar, morava um pequeno e silencioso mico-leão-dourado chamado Tico. Ele tinha a pelagem mais brilhante da região do Rio de Janeiro, dourada como o sol nascente. Mas, apesar disso, Tico vivia tentando se esconder.
Enquanto os outros micos pulavam de galho em galho com alegria e barulho, Tico fazia o possível para não ser notado. Evitava brincadeiras, desviava olhares, e quando era chamado por alguém, ficava tão vermelho quanto sua juba permitia.
— Tico, venha brincar com a gente! — gritava Jubá, seu primo brincalhão.
— Eu... estou bem aqui, obrigado — respondia Tico, se encolhendo entre as folhas.
Tico tinha um desejo secreto: ser invisível. Achava que, se ninguém o visse, ninguém o julgaria, ninguém riria de suas gaguejadas ou da sua forma de andar um pouco desengonçada.
Certa vez, depois de mais um dia de tentativas frustradas de se esconder, Tico sentou-se à beira de um riacho e murmurou para si mesmo:
— Se ao menos eu pudesse desaparecer…
De repente, uma voz rouca e serena falou das sombras:
— Invisibilidade não traz paz, pequeno mico. Apenas solidão.
Tico olhou em volta, assustado. Do galho de uma figueira, surgiu Anuri, uma jacu-de-barriga-castanha — ave rara da região e conhecida por sua sabedoria e silêncio.
— Você me ouviu?
— A floresta sempre ouve. E às vezes responde — disse Anuri.
— Mas... eu só queria desaparecer. Todo mundo é tão bom, tão rápido, tão confiante. Eu só atrapalho.
Anuri então contou-lhe uma estória:
— Houve um tempo em que um tamanduá-mirim do Espírito Santo, chamado Zual, decidiu parar de usar sua longa língua, pois os outros riam do seu jeito lento de comer. Ele ficou em silêncio por tanto tempo que esqueceu como se alimentava. Foi salvo por uma anta que disse: “Seu modo é único. E sua força está exatamente aí.” Zual entendeu, e nunca mais tentou ser outro.
Tico ouviu, mas ainda não sabia como acreditar em si.
No dia seguinte, um grande alvoroço tomou a mata. Um grupo de gaviões-caramujeiros havia se aproximado demais do ninho das maracanãs-lorito, e a comunidade entrou em alerta.
Todos os micos correram, mas esqueceram algo importante: o menor dos filhotes havia ficado para trás.
Tico, que observava de longe, viu o perigo. O coração disparou. Pensou em correr, pensou em se esconder... mas, pela primeira vez, pensou diferente:
— E se ninguém o notar? E se eu for o único que pode salvá-lo?
Sem hesitar, pulou de galho em galho com precisão, mesmo tremendo. Chegou ao filhote e, com cuidado, escondeu-o embaixo de um amontoado de folhas. Depois, se pôs à frente, estufando o peito como nunca fizera.
Os gaviões se assustaram com o brilho de sua pelagem e foram embora, confusos.
Quando os outros micos chegaram, viram o filhote a salvo... e Tico brilhando sob o sol poente.
— Tico?! — exclamou Jubá. — Foi você?
Tico corou.
— Eu... é... só fiz o que precisava.
O grupo explodiu em aplausos. Pela primeira vez, Tico não quis desaparecer. Sentia, pela primeira vez, que sua identidade tinha valor — e que ser ele mesmo era mais forte do que ser invisível.
Naquela noite, sob uma lua cheia que dançava entre os galhos, Anuri pousou perto dele.
— E então, pequeno mico. Ainda deseja não ser visto?
— Agora entendo que o que me fazia querer desaparecer não era o mundo... era o medo que eu tinha de mim mesmo. E que só vencemos o medo quando o olhamos nos olhos.
Anuri sorriu, e antes de voar, deixou uma última frase:
— Autoestima é como a luz do sol: nasce dentro, mas precisa da coragem para iluminar o mundo.
A partir daquele dia, Tico passou a ajudar outros animais tímidos. Conversava com a preguiça-de-coleira da Bahia, com o macaco-prego-de-crista, com o caxinguelê da mata, contando sua estória e ensinando que convivência verdadeira só acontece quando somos aceitos como somos — mas, antes de tudo, por nós mesmos.
A floresta aprendeu a olhar para os pequenos com mais cuidado. E os pequenos aprenderam a perceber que até os mais brilhantes podem se sentir inseguros — e que tudo bem.
A lição de moral da fábula ecoava entre bromélias e raízes profundas:
“Não é se escondendo que se encontra paz. A verdadeira força nasce quando aceitamos quem somos — e deixamos que o mundo veja isso.”
E assim, entre os verdes altos da Floresta Atlântica do Rio de Janeiro, o nome de Tico, o mico-leão que um dia quis ser invisível, tornou-se símbolo de identidade, coragem e autoaceitação.
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